sábado, 5 de outubro de 2013

Um Modesto Desabafo



Hoje os fãs de anime e mangá são recorrentes nas diversas partes do Brasil. Cosplay virou um hábito não tão incomum. Eventos que emulam as convenções do primeiro mundo acontecem mesmo em médias cidades. Mangás já são editados por quatro editoras. O clima, contudo, é de insegurança. A história já demonstrou que o ápice é a parte mais perigosa na vida de uma instituição. Do cume caíram dos romanos aos Estados Unidos da América.

O horizonte é escuro. Uma das maiores fontes de bruma é o tratamento irracionalíssimo dado ao anime na televisão brasileira. A porta de entrada da maioria dos assim chamados otaku foram sessões de Dragon Ball, Naruto, Yu Yu Hakusho, entre outros... A nova geração nem nos canais pagos tem acesso a tais clássicos mais básicos, ainda mais a raras gemas já exibidas por aqui.

Há um fenômeno que cataliza tal praga: A comum desistência de quem tem tal hábito. Não é difícil perceber que tal passatempo dificilmente dura dez anos. Uma parcela majoritária deixa o anime e o mangá utilizando vários chavões clássicos, como “Falta de Tempo”. Não será difícil descobrir que os cinéfilos e os western nerds, ao menos na Terra de Santa Cruz onde vivemos, raramente abandonam tais hobbies.

Um dos motivos do segundo problema é algo que é tabu até no meio afim: Implicitamente a sociedade brasileira nunca aceitou tal tipo de mídia. Em um país onde a simples infância se tornou algo rotineiramente desprezada, o simples fato de serem animações foi algo rotulado como infantil, e desde os anos 2000, tudo o que aparentasse ser pueril demais passou a ser desprezado.

Certamente a escolha das séries exibidas foi uma péssima aposta. A maioria delas abordava excessivamente a cultura japonesa, em especial o gênero Jidai Geki. Longe de ser uma crítica à qualidade de tais clássicos, era arriscado demais querer expor um povo tipicamente inculto a uma cultura exótica e até mesmo vista com desdém... Para cada espectador que se tornava um fã de Ranma ½, dois viravam o rosto por achá-lo muito estranho ou anormal.

Por fim, existe uma pá de terra que vem direto da matriz, no Japão. Todos sabemos que a Shonen Jump está saindo do seu ápice... Em breve, monstros sagrados como Naruto e Bleach irão acabar... E causar uma forte sangria de fãs em tal mercado, afetando inclusive os nossos japanófilos.


  Este é um texto pessoal... Soluções? No momento elas inexistem. O máximo que podemos fazer é rezar... Para que não voltemos a ser mais uma subcultura que vive nos grotões do Brasil...  

domingo, 29 de setembro de 2013

Rave: A Herança do Destino




Entre mangáfilos e mesmo mangaka, há uma recorrente disputa: Quem é o sucessor de Dragon Ball? A corrente predominante diz que One Piece teria herdado o manto do gênero que Akira Toriyama codificou. O Battle Shounen de Oda teria de fato herdado a maioria dos truques e clichês imortalizados por Goku e seu grupo. Uma segunda corrente afirma que Naruto seria o herdeiro direto. É visível que Masashi Kishimoto possui certa obsessão exagerada por emular o estilo de Toriyama, por exemplo, nas paisagens... Há ainda quem alegue ser Bleach o detentor de tal manto...

Todos estes pecam em algo. É certo que se a Weekly Shonen Jump for indispensável a tal sucessão, algum destes poderá ser o executor... No entanto, um mangá da WS Magazine é muito mais apropriado para receber tal herança: Rave.

A obra de Hiro Mashima – Mais conhecido por seu outro mangá Fairy Tail – é sobre um garoto chamado órfão Haru Glory. Ele vive em uma ilha com sua irmã, a única familiar que lhe resta. Quase não possui conhecimento da vida em sociedade e das convenções humanas. Um dia ele encontra Shiba, um ancião egresso de diversas batalhas que esconde um segredo: Ele é o antigo Rave Master, o guardião do mundo contra as forças do mal.

O velho dá a Haru a Espada Ten Commandments, designando-o à missão de encontrar as quatro outras Raves e assim salvar a terra de uma catástrofe global. Um obstáculo imediato é uma milícia privada chamada Demon Card, cujos integrantes de fato governam grande parte do mundo. Suas armas são gemas mágicas malignas chamadas de Darkbrings, cujos poderes podem chegar a proporções surreais.

O herói incorruptível e socialmente inexperiente, o arquétipo do velho sábio junguiano, a caça aos itens oníricos, o exército particular que impede a luta, tal fórmula é magistralmente aplicada por mashima. Nenhum dos demais clamantes à sucessão usa todos os emblemas próprios ao brasão de Dragon Ball...

O seu mascote é um ser aberrante chamado Plue. Há algum vínculo entre ele e o Rave Master. Sua raça? É uma incógnita que dentro das quatro paredes da ficção gera discórdia. Cachorro? Inseto? Foca? O certo é que ele é um pequeno filhote branco com nariz cornífero dourado, onívoro em sentido absoluto e aparentemente sujeito à osmose quando imerso em água...

Continuando a análise: O viajante encontra uma donzela desmemoriada, perdida... Seu nome é Elie. Fica patente que além de um segredo, ela possui um grande poder. Ambos se unem na travessia pela verdade... Este casal foi seminal na gênese do manga do novo milênio. Como Shinji e Rei, Oscar e André, em tal conúbio há um forte paradoxo: Um dos namorados pode salvar o mundo... O mesmo que precisa ser salvo. O messias necessita de uma mão para lhe resgatar das sombras do próprio âmago.

A casca da tarântula precisa se desgarrar, para que possa crescer. Hamrio Musica, um Silver Claimer – Alquimista com poderes sobre a prata -, entra no grupo. Como todos os demais, ele está em busca de respostas... Bandoleiro temido, hedonista insaciável, sua vida é um devir-rio heraclíteo. Durante tal saga, ele muda diversas vezes de grupo e de interesses românticos. Ele nunca chega a uma conclusão pessoal: É um homem-ilha...

Muitos outros personagens extremamente bem-desenvolvidos entram para os Rave Warriors. Não é o nosso dever abordar a todos eles.

Um dos sumos méritos do mangá é o excelente aproveitamento dado a uma das questões onipresentes na natureza humana. Algo que desafiou a todos os sábios que já viveram na terra: O mal. O vilão passa a ser antes de tudo, um humano. A Demon Card, em especial, é uma amálgama de todas as possíveis razões para entrar no iter malis. A marionete cósmica, o vingador exaltado, o amante ressentido, o sádico inveterado... O seu “Rei” goza de uma honra dúbia que os seus próprios inimigos reconhecem: Ele é bondoso demais para ter se tornado a maior ameaça do mundo. E ficará patente que a sua proposta talvez seja o que há de mais seguro para a humanidade...

A pluralidade de temas abordados é enorme. A velha dualidade Humanos X Monstros é algo exaustivamente trabalhado desde que Ozamu Tezuka codificou a banda desenhada japonesa. No mundo das raves e das darkbrings, o monstro é algo extremamente bem cultivado. O sinônimo empregado são os Sentinoides... Seres que vivem num mundo subterrâneo... Sua guerra contra o bicho-homem é perpétua. Existem dezenas de clãs: A Raça Dragão – Ou Dragon Slayers, conforme foram transpostos a uma obra muito mais famosa... -, a Raça Demônio, que tem um papel de realeza, a Raça Marinha, a Raça Verde, entre outras... O leitor será jogado em outro dilema moral decisivo: Serão os humanos, a sua própria raça, os culpados por tal antagonismo?

Depois de considerados todos estes aspectos... Qual foi a influência de Rave nas subculturas posteriores? Um indivíduo pouco especializado poderia apontar de antemão Fairy Tail como a parte principal de tal espólio. Um conhecedor razoável do que foi feito desde o início do milênio pode facilmente verificar fortes laivos em mangás famosos como Fullmetal Alchemist, Mirai Nikki e os arcos tardios de One Piece. No entanto, há um fato que muitos ignoram.

                                      

 Sim, Haru e seu bando foram dublados em português e exibidos pela Jetix. Algo que é pouco lembrado mesmo pelos aficionados que viveram a época. É triste como nos esquecemos de tudo o que tenha havido passados dez anos...



Nota do Autor: O nome do mangá na Shonen Magazine é Rave. O anime em japonês foi chamado Groove Adventure Rave, e a versão inglesa é Rave Master. Diante da controvérsia, Rave é utilizado no texto...